Software Livre vs Open Source: O Retorno

Ideologia, Liberdade e Tecnologia

Não é de hoje que há uma luta sendo travada entre grupos que defendem “tecnologias democráticas” e outros que defendem as “tecnologias autoritárias”, na definição de Lewis Mumford [1]. Mas desde 1998, um fator extra entrou na equação. Antes dividido entre “livre” e “proprietário”, o cenário viu a aparição do termo “open source”. A princípio visto com bons olhos até mesmo por adeptos de softwares livres, hoje o que parece é que foi um grande Cavalo de Tróia. Mais uma vez: Stallman avisou!

Quando o grupo dissidente “open source” deixou de vez o Movimento de Software Livre (Free Software Movement) já era público por parte de seus membros que o compromisso não era com a liberdade, mas com a eficiência em desenvolver softwares (produtos) competitivos no mercado, com foco na colaboração entre desenvolvedores [2].

O Movimento de Software Livre (que tem a Free Software Foundation como canal de divulgação de suas ideias) por outro lado, parte do princípio de que usuários e desenvolvedores precisam ser livres e autônomos para usarem softwares e suas cópias como quiserem.

Os 4 princípios (que como um bom movimento nerd, começa pelo princípio “0”) são bem claros sobre essa liberdade e constituí uma frente importante na luta por uma sociedade libertária e de democracia de base.

A compra do GitHub pela Microsoft [3] é mais um passo no mundo Open Source que deixa claro o que é: apenas uma etapa do processo capitalista em sua capacidade cada vez mais eficiente em se adaptar e cooptar grupos e movimentos uma vez ameaçadores.

Lewis Mumford – Suas ideias sobre sociedade, tecnologia e poder ficaram conhecidas após a série de livros “Myth of The Machine”.

Como movimento político, o MSF ameaça as estruturas do sistema centralizado de poder, colocando na mão da sociedade e da comunidade a autonomia no processo de criação e disseminação de ferramentas tecnológicas. Por outro lado o Open Source é só a nova versão da ideologia liberal com a proposta de uma abordagem “aberta” para criar produtos para o mercado. Não existe crítica, mas exaltação ao sistema no qual vivemos atualmente.

Se há dúvida sobre a ideologia que guia esse último, em vários textos de Tim O’Reilly (um de seus fundadores e principais pensadores e propagandistas), está tudo bem claro: “padronização e, portanto, mercantilização, são forças naturais do mercado, bem como eventos-chave na história da humanidade” [4].

Outro membro do grupo, Eric Raymond, deixa mais ainda evidente que o principal motivo para o rompimento foi assumir que “o que precisávamos era montar uma campanha de marketing – e isso exigiria técnicas de marketing (construção de imagem e nova marca) para fazer com que funcionasse”. Para Raymond é preciso “preparar hackers para táticas de guerrilha de mercado” [5]

Esses são apenas alguns exemplos da visão randiana [6] não apenas de O’Reilly e Raymond, mas também de outros membros do grupo envolvido no movimento Open Source, e que tem relação direta com movimentos de mercado como a compra do GitHub por uma grande corporação.

O Outro Lado

Se não faltam críticas ao movimento Open Source, também podemos traçar algumas que levam o Movimento de Software Livre a uma posição de fragilidade.

No início, o movimento recrutou diversos desenvolvedores e usuários ao redor, mas com o tempo o que se viu foi um esvaziamento, com maior impacto quando os dissidentes que criaram o Open Source deixaram o grupo e levaram consigo alguns grandes desenvolvedores não alinhados com as ideias de Richard Stallman.

Richard Stallman mostrando como é livre para usar laptop nos lugares mais improváveis

O MSF falhou na estratégia de dialogar com a sociedade para desenvolver um ecossistema que contemplasse de usuários padrões a editores de video e engenheiros de som. O que temos hoje são vários editores de textos básicos (gedit, kate, nano, etc) e calculadoras, mas sequer um editor de som ou vídeo minimamente poderoso. Esse desequilíbrio sugere uma falta de visão integrada do movimento.

Quando falamos de liberdade (e não de simples acesso ao código), fica claro que é necessária uma guinada no Movimento de Software Livre para que seja mais proativo em suas iniciativas de projetos, mas ao mesmo tempo que saia da frente do laptop e ponha o pé no chão para entender o momento histórico e político da sociedade.

Do contrário, o movimento continuará sendo inspirador e visto com admiração, mas não atrairá mais membros fundamentais para sua existência e ação: os usuários (e por que não, potenciais desenvolvedores?).

 

Referências

[1] Lewis Mumford, Authoritarian and Democratic Technics. https://theanarchistlibrary.org/library/lewis-mumford-authoritarian-and-democratic-technics.pdf

[2] Evgeny Morozov. The Meme Hustler Tim O’Reilly’s crazy talk – https://thebaffler.com/salvos/the-meme-hustler

[3] Microsoft compra GitHub e alguns desenvolvedores já procuram alternativas https://tecnoblog.net/245953/microsoft-compra-github/

[4] Toni Prug. Hacking ideologies, part 2: Open Source, a capitalist movement. https://events.ccc.de/congress/2007/Fahrplan/attachments/967_24c3.HackingIdeologies.OpenSource.a.capitalist.movement.pdf

[5] Eric S. Raymond. The Revenge of the Hackers. https://www.oreilly.com/openbook/opensources/book/raymond2.html
[6] Randian Hero – https://en.wikipedia.org/wiki/Randian_hero